terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Cisne Negro - Pela Gestalt Terapia



Analise do filme “Cisne Negro” (2011), de Darren Aronofsky, amarrando os conceitos e filosofias de base da Gestalt-Terapia.
Nina (Natalie Portman) é uma jovem bailarina de 28 anos e tem uma extrema dedicação e disciplina em busca de perfeição e destaque no mundo do balé. Na primeira cena do filme, a personagem principal, Nina, aparece sonhando que está dançando "O Lago dos Cisnes", no papel de Cisne Branco. De repente, aparece o Cisne Negro, as duas começam a dançar em forma de batalha, e em seguida o Cisne Negro some, permanecendo o Cisne Branco em cena. Como dito anteriormente, a Gestalt-terapia trabalha bastante com polaridade, que são fragmentos do self, polaridades não aceitas que precisam ser trazidas para a awareness. Muitas vezes, esse polo que está fragmentado pode ser trazido em sonho, sendo assim um caminho para integração.
Ao acordar, Nina vai contar para sua mãe sobre o sonho. Sua mãe, ex-bailarina e solitária, se dedica integralmente ao cuidado da filha, fazendo com que treine excessivamente. A mãe é muito confluente com a filha, a tratando como se fosse um bebê ainda e invadindo constantemente a fronteira de contato da filha. A confluência na Gestalt-Terapia ocorre quando as fronteiras de contato são difusas, não havendo separação entre os envolvidos. Ao mesmo tempo, também não há contato nem satisfação. A mãe de Nina não a reconhece como uma pessoa e tampouco a permite viver sua vida de forma inteira. O jeito que se refere à filha durante o filme é chamando-a de "doce menina". Afirma: "você é menina doce e meiga", "pessoas desconhecidas são perigosas, fique só com a mamãe", “você é culpada pelo meu fracasso, pois abandonei minha carreira para me dedicar a você”.
Além da confluência, pode-se verificar na relação da mãe com Nina a imposição de muitos introjetos. Um introjeto é um enunciado ou objeto que é aceito sem uma assimilação do conteúdo. Nina introjeta enunciados da mãe e exclui de seu contato outras possibilidades de ser. Isso fez com que Nina introjetasse (engolisse, sem
mastigar) esse lado puro, doce e virginal, descartando sua sexualidade, feminilidade e agressividade.
Para Zinker (2007), uma autoimagem patológica, constitui-se de maneira estereotipada, cristalizada e unilateral, em que o indivíduo se permite e se reconhece apenas como uma coisa, e nunca como outra. Caracteriza-se por uma awareness pobre, além de autoconhecimento e percepção limitados diante da multiplicidade de forças e sentimentos internos, carecendo, assim, de fluidez e amplitude.
Na companhia de balé onde treina, o diretor está escolhendo uma nova protagonista para dançar a Rainha Cisne na remontagem do Lago dos Cisnes, um papel que todas as bailarinas sempre quiseram representar. Ele queria uma pessoa que pudesse representar os dois papéis: o Cisne Branco e o Cisne Negro. Nina, com medo de não ser escolhida, foi falar com o diretor sobre o papel. O diretor disse que, se fosse para ela representar somente o Cisne Branco, Nina era, sem dúvida, perfeita.
A Rainha Cisne deve personificar Odette, o Cisne Branco que é pura, virginal, metódica, e Odile, o Cisne Negro que é livre, sensual, feiticeira, que seduz o príncipe apaixonado por Odette. Ele acha que Nina não conseguirá representar o Cisne Negro, por não possuir essas características, sugerindo que ela se soltasse e se entregasse mais. Ao final da conversa, o diretor dá um beijo na Nina; de surpresa ela se retira da sala. O Diretor percebeu claramente a polarização existente na vida de Nina. Ela não é autorizada pela mãe, com quem conflui a vivenciar as polaridades de Odile, e não tem suporte próprio para fazê-lo por si mesma.
Ao sair o resultado, Nina fica sabendo que ganhou o papel, liga para sua mãe para avisar, e quando chega em casa sua mãe não está. Quando sua mãe chega, ela está com um bolo em sua mão e fala que esse é bolo preferido delas. Nina se recusa comer. Nessa cena podemos observar mais a relação da mãe com a filha: quando Nina recusou o bolo, sua mãe queria jogar o bolo todo fora.
Nina que é dócil, e não queria chatear a mãe diz que não e lambe a mão da mãe cheia de bolo. Nessa cena, podemos ver claramente que o bloqueio de contato mais evidente de Nina é a introjeção em que o outro existe, ela não. Pessoas com esse tipo de bloqueio não conseguem liberar sua agressividade ao meio e acabam se auto-agredindo. Ela se fere, coçando a pele das costas até sangrar, e também machuca os pés, exagerando nos exercícios. Aliás, não é à toa que ela tem problemas na pele: a pele é a principal fronteira de contato corporal, a que define os contornos da nossa individualidade. O que está dentro da pele é o eu, o que está fora da pele é o não-eu. A energia agressiva que seria boa para destruir o introjeto (mastigar) é voltada para si mesma. Este movimento na Gestalt-Terapia é a reflexão, quando a pessoa faz a ela mesma o que gostaria de fazer ao meio.
Ao começarem os ensaios para a peça, como era esperado pelo diretor, Nina dança bem a parte da atuação do Cisne Branco, e não consegue mostrar o lado sensual e
sedutor do Cisne Negro. Em vários ensaios, sempre a mesma coisa. Então, o diretor a chama para conversar e pede para que ela se solte se entregue, mostre sua sensualidade, e sugere que ela se masturbe (busca fazê-la mais uma introjeção), mas ela não consegue porque sua mãe está no quarto.
Ao não conseguir ser o que diretor quer que ela seja e ao mesmo tempo fazer o que sua mãe quer que são duas polaridade opostas, Nina começa a se desestabilizar: como fazer o que diretor quer? Como ser a menininha a mamãe?
Como abordado no tópico de polaridade: a base do conflito Nina não consegue caminhar na sua própria awareness. Precisa seguir dois scripts para fazer os dois papéis, e nenhum deles está integrado de maneira consciente (aware).
Para que ela consiga dançar o Cisne Negro ela precisa se libertar dos desejos da mãe e entrar mais em contato consigo mesma. Isso gera muita angústia. Uma cena que demonstra essa angústia é sua visita à antiga bailarina que foi dispensada e tentou suicídio. Mesmo sabendo que não era sua culpa, Nina não consegue pensar assim. Isso está ligado com sua gestalt aberta, com relação sua mãe.
Lily, outra bailarina, começou a se aproximar de Nina, mas ao mesmo tempo ela é sua rival, por ser substituta de Nina se algo acontecer. Lily é mostrada como a bailarina perfeita para dançar a Rainha Cisne, por conseguir fazer ambos os papéis com muita suavidade e naturalidade. Com isso, Nina começa a fazer projeções a Lily. Nina projeta seu lado sombrio, aspecto que ela desconhece em si mesma, em Lily. Ao analisar o filme, pode-se perceber que Lily tinha uma personalidade mais integrada e fluida. Entretanto, Nina projeta em Lily as características de Odele, características essas que lhe fazem falta.
Com a proximidade com Lily, Nina começa a se soltar e mostrar um pouco sua agressividade. Sai de casa para ir dançar com Lily, mesmo contra a vontade de sua mãe. Na boate ela conhece alguns rapazes, e Lily estimula ela a se drogar. As drogas podem ter sido um catalizador do surto apresentado por Nina nas cenas seguintes, por haverem possibilitado que ela experimentasse (mesmo que através de uma alucinação) partes suas que não tinha suporte ainda para vivenciar.
Fazendo que não soubesse mais o que era real ou não, no dia seguinte não tinha certeza se tinha ido para cama com Lily ou se havia sido um sonho.
O Lado sombrio (sombra, conceito de Jung) começa a invadir. Ela está com o self totalmente fragmentado. Nesse momento, Nina começa a ter surtos psicóticos,
delírios e alucinações que, através do conceito de auto-regulação e ajustamento criativo, podemos entender que esta era a melhor coisa que Nina podia fazer para manter-se viva.
Na noite anterior à apresentação Nina chega em sua casa, e começa a ter várias alucinações e delírios. Ela vê a si mesma morta, com sangue, e os desenhos da mãe se mexendo. Sua mãe aparece e tenta contê-la, mas ela tenta se trancar no quarto, e, ao olhar no espelho, se vê com os olhos vermelhos, e em seu machucado nas costas, nascem penas pretas. A agressividade aqui não é integrada e assimilada ao todo que ela é, mas é dissociada em forma de alucinação.
Sua mãe consegue contê-la e ela adormece. Quando acorda, sua mãe fala que ligou para a companhia e disse que ela não iria fazer apresentação de abertura por estar doente. Mas, mesmo assim, Nina, manifestando sua vontade, vai.
Chega ao teatro, se arruma e faz a primeira parte da apresentação, em que era o Cisne Branco. Nessa cena podemos ver que Nina começa a integrar a polaridade do Cisne Negro, porque ao dançar o Cisne Branco ela até erra um passo e cai.
Quando volta ao camarim, vê Lily se maquiando como Cisne Negro (uma alucinação), e a ataca. Acreditando que tinha matado Lily, a esconde dentro do guarda-roupa, e se veste de Cisne Negro. Vai fazer sua apresentação e, pouco antes de entrar no palco, dá um beijo ferozmente no diretor. Faz uma apresentação belíssima e perfeita do Cisne Negro.
Quando está voltando ao camarim vê Lily, e acha estranho que ela esteja se trocando para fazer a última tomada com Cisne Branco. Percebe então que não tinha machucado Lily e sim ela própria. Aqui pode-se fazer a seguinte analise: o fato de haver tentado matar Lily pode ser relacionado com a tentativa de aniquilar a polaridade, com característica de Odile. Um desejo tão forte de ser somente boa que termina na retroflexão da raiva e agressividade a si mesma, quando por alguns segundos pode experimentar características não aceitas pela mãe (que é o seu suporte).
Podemos observar que o bloqueio de contato nesse momento é retroflexão. Não houve ninguém no seu campo de relações que pudesse apoiar o seu desenvolvimento emocional, apenas pessoas narcisistas (a mãe e o professor) que a transformaram em um objeto, que satisfazia a eles próprios e seus desejos. E a Nina, que não teve estrutura física e emocional para aguentar, restou à fuga (para a psicose e para a morte).
Assim, Nina, sem haver resolvido confirmação em suas relações, não desenvolveu ela própria força para manter-se na experiência de vivenciar o lado "obscuro", matando essa possibilidade e, com isso, matando ela mesma.
Aqui podemos retornar à visão de mundo e de pessoa da Gestalt- Terapia, em que o homem é um todo.


Por: Psicólogo - José Wellington Molina Prata

Nenhum comentário:

Postar um comentário